Penhora de valores em contas bancárias
Teto passou a ser aplicado com renovação automática de pedidos de bloqueio via Sisbajud
Com o aperfeiçoamento do sistema de penhora on-line, empresas têm recorrido ao Judiciário para obter liminares e limitar o bloqueio de valores em contas bancárias. As decisões, em geral, estabelecem limites com base no faturamento mensal ou do valor cobrado, que variam entre 10% e 30% do total.
A corrida ao Judiciário ganhou corpo após a implantação da ferramenta batizada de “teimosinha” no Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud) – que substituiu o Bacen Jud. Por meio dela, a mesma ordem de rastreamento é automaticamente renovada por várias vezes, até o valor da dívida, ao longo de 30 dias úteis. Antes, valia por apenas 24 horas.
Em 2021, quando a teimosinha começou a funcionar, foram bloqueados R$ 656,4 bilhões por meio do Sisbajud – R$ 610 bilhões no mês de junho, um mês depois da adoção da ferramenta. Desse total, R$ 21,8 bilhões transferidos para contas judiciais, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Neste ano, foram bloqueados pelo Sisbajud, R$ 121,8 bilhões. Desse total, R$ 20,7 bilhões foram transferidos para quitar dívidas. Em 2022, foram R$ 200 milhões bloqueados e R$ 21,9 bilhões transferidos.
Os pedidos para limitar as penhoras on-line têm como base o artigo 866 do Código de Processo Civil (CPC), que trata de penhora de faturamento e tem sido usado por analogia. O dispositivo determina que se a empresa não tiver outros bens penhoráveis ou forem insuficientes para saldar o crédito, o juiz poderá ordenar a penhora de um percentual do faturamento que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades.
Uma das liminares foi obtida por um resort. A decisão limitou a penhora on-line a 10% do valor total da execução por mês. Foi concedida pelo desembargador Elvecio Moura dos Santos, do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-GO). No caso, trata-se de uma cobrança em ação trabalhista no valor de R$ 2,7 milhões.
Na decisão, o desembargador pondera que se de um lado, o empregado tem o direito de receber o seu crédito o quanto antes, por outro lado, deve-se preservar a saúde financeira do devedor, “não comprometendo o desenvolvimento regular das atividades empresariais (artigo 866 do CPC), e atendendo ao princípio da função social da propriedade e da empresa (artigos 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III, da Constituição)”.
O magistrado ainda destaca que a empresa vem enfrentando sérias dificuldades financeiras, em consequência da pandemia da covid-19, e registrando prejuízos nos últimos anos. E que os resultados demonstram que eventual bloqueio do valor total da execução – de R$ 2,7 milhões -, em uma única vez, “efetivamente compromete o desenvolvimento regular das atividades da impetrante, restando demonstrado, portanto, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (processo nº 0012578-66.2023.5.18.0000)
Representante do resort, a advogada Mayra Palópoli, sócia do escritório Palópoli & Albrecht Advogados, defende a limitação das penhoras on-line. A busca pelo valor total da execução, acrescenta, poderia impossibilitar o cumprimento de várias obrigações da empresa – entre elas, o pagamento de fornecedores e de folha de pagamentos. “Até mesmo o limite de crédito fica indisponível para as empresas vítimas dessa modalidade de bloqueio”, diz.
Para Mayra, a penhora de ativos financeiros “nada mais é do que, por via oblíqua, a penhora de todo o faturamento”. Ela lembra que, além do artigo 866 do CPC, há posição sedimentada no Tribunal Superior do Trabalho (TST), com a Orientação Jurisprudencial nº 93 (SDI-2), para que a penhora seja aplicada sobre parte da renda. “Os bloqueios de ativos financeiros de forma reiterada, sem limitação a percentual, devem ser combatidos, para que se possa preservar a sobrevivência financeira e econômica das empresas”, diz.
A Seção Especializada em Execução do TRT do Rio Grande do Sul (TRT-RS) também concedeu decisão semelhante. Limitou o bloqueio a 10% da média do faturamento declarado por uma empresa de telecomunicações e energia.
Para o relator, desembargador Carlos Alberto May, “o bloqueio das contas bancárias na modalidade ‘teimosinha’ por 30 dias certamente põe em risco e compromete a operação diária da empresa, que deve fazer frente a despesas com a manutenção do seu negócio, honrando compromisso com seus fornecedores, empregados, tributos etc” (processo nº 0020846-85.2017.5.04.0008).
Há também decisões na área cível. Recentemente, a 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou recurso de uma empresa credora que questionava a limitação em 10% do valor encontrado nas contas da empresa devedora, na modalidade teimosinha (processo nº 2107138-89.2023.8.26.0000).
“Mostra-se razoável e proporcional, mesmo porque a utilização da ferramenta conhecida como ‘teimosinha’ tem mesmo aptidão para inviabilizar a continuidade das atividades empresariais da executada”, afirma a relatora, desembargadora Daise Fajardo Nogueira.
Na 12ª Câmara de Direito Privado do TJSP, os desembargadores negaram pedido do credor para elevar de 10% para 30% o limite da penhora sobre os recebíveis da empresa. A dívida, no caso, é de R$ 183 milhões. Em apenas três dias, o sistema bloqueou R$ 1,1 milhão, menos de 1%.
Na decisão, o relator, desembargador Tasso Duarte, destacou que a limitação de 10% seria suficiente. “percentual este fixado em patamar razoável, em observância ao princípio da preservação da empresa e da execução pelo meio menos gravoso ao devedor” (processo nº 2299443-37.2022.8.26.0000).
Para o advogado, Otávio Alfieri Albrecht, também sócio do Palópoli & Albrecht Advogados, “o Judiciário está em um momento de ânsia voraz para encerrar as execuções”. Contudo, acrescenta, precisa ter cautela e legalidade em suas ações. “A penhora de valores via teimosinha é praticamente uma sentença de morte para a empresa. Essa medida é intimamente similar a uma penhora de faturamento, que dependendo do caso, poderá ser a penhora de todo o faturamento da empresa em um mês inteiro.”
Maria Tereza Tedde, do Tedde Advogados, afirma que ainda existem decisões que negam a penhora por meio da teimosinha. “Juízes indeferem dizendo que é muito gravoso, quando na verdade é só uma correção do sistema. Antes só havia penhora naquele momento e, cinco minutos depois, se entrasse algum dinheiro, já não pegaria mais”, diz.
Ela considera que a ferramenta só torna mais eficaz a possibilidade de penhora e não poderia ser recusada pelos magistrados, uma vez que equivale a penhora em dinheiro, que é a primeira na ordem preferencial dos bens em execução. “Essa limitação do valor a ser penhorado jamais poderia partir do juiz, como ocorreu em alguns casos. Em geral, envolvem grandes empresas que não precisam ser tuteladas”, diz ela, acrescentando que o devedor deve provar que a penhora compromete suas atividades.